Brasilia, 8 de janeiro, 2014. Por Gabriela C. de A. Goldstein (Pós-graduanda em Gerontologia Social)
Agora estamos envelhecendo… bem agora… neste exato momento. Penso então que meu envelhecimento é passivo. Não estou fazendo nada, exatamente nada e já envelheci mais um pouco, mais do que quando iniciei a escrita deste parágrafo. É, ele me parece passivo.
De certa forma todos envelhecemos passivamente… não está sob nosso controle envelhecer, se estivesse provavelmente optaríamos por não envelhecer, morrer talvez fosse uma opção distante, mas poderíamos congelar fisicamente aos 50 e seguir apenas fazendo aniversários. Nada mal…
Na infância muitos são “hiperativos”, os adolescentes enfrentam problemas emocionais e instabilidades de humor, a juventude (agora na geração Y) é divergente e ambiciosa e o velho deve ser ativo. A singularidade do sujeito não é considerada em nenhuma fase e por que seria então na velhice quando estamos mais sujeitos a perder até nossa identidade?
Em uma sociedade que precisa de rótulos para encontrar seus espaços e se perceber como o “outro”, lidamos com “modelos” em todas as faixas etárias. É cansativo e frustrante em todas as fases da vida e aprender a lidar com os estereótipos talvez seja a única forma de realmente ser ativo na sua própria vida, ser ator principal de sua história sem desempenhar o roteiro escrito por alguém. Cada idade com seu qual. Vamos então a fase que se dá após os 60 anos, estabelecida pelas Nações Unidas, como idade das pessoas mais velhas ou idosas.
Envelhecimento Ativo – pela Organização Mundial de Saúde
Diretamente da fonte, quem criou o termo “Envelhecimento ativo” para nortear uma política de saúde foi a Organização Panamericana de Saúde: “Envelhecimento ativo é o processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas” (Organização Panamericana de Saúde-OMS, 2005).
A partir daí ele vem sendo utilizado por diversas pessoas em diferentes contextos e de maneiras diferentes.
A OMS considera fundamental que a pessoa mais velha tenha pleno acesso às oportunidades de saúde e esta seria a palavra chave desta política. Pensando em otimização de oportunidades de saúde os idosos poderiam envelhecer de forma a ter mais qualidade de vida. Se o idoso tem acesso a serviços públicos de saúde, esporte e lazer, bem como boas condições de alimentação e vida social participativa, entende-se que ele tem oportunidade de ter um bom envelhecer. Oportunidade a todos é, então, o que esta política quer oferecer.
O material publicado pela OMS para divulgar essa política reconhece que a velhice se apresenta de forma heterogênea, como podemos perceber no trecho escrito nas página 6 do documento “Quem são os velhos?”
[…] é importante reconhecer que a idade cronológica não é um marcador preciso para as mudanças que acompanham o envelhecimento. Existem variações significativas relacionadas ao estado de saúde, participação e níveis de independência entre pessoas mais velhas que possuem a mesma idade. As autoridades precisam considerar essas variações ao formular políticas e programas para as populações “mais velhas”.
Sabemos que é fundamental considerar essa heterogeneidade da população idosa e toda a singularidade do indivíduo. É possível perceber certo movimento neste sentido se instalando na Estratégia Saúde da Família, mas para que isto seja um prática frequente não só na área da saúde mas em todas as áreas que permeiam o envelhecimento, muito ainda temos que caminhar e teremos que estar disponíveis para reconstruir um novo modelo de velhice.
Já temos uma política pública que visa oferecer oportunidades, acessibilidade, e devemos levar em conta que se temos oportunidades a nossa frente cabe a nós fazermos as escolhas que fazem sentido ao nosso contexto de vida. O papel do estado é promover condições para que possamos fazer escolhas e não nos deixar seguir um caminho único por falta de opção. Então, o termo “Envelhecimento ativo” que surgiu de uma Política de saúde voltada ao envelhecimento da população está claramente direcionado a otimização de oportunidades.
Talvez o nome dado a esta política nos remeta a parte física. Talvez o nome da política pudesse ser outro. O que sabemos é que o termo foi sim muito popularmente atrelado a parte física e o que é muito comum na população brasileira – na grande maioria das vezes não tem conhecimento de suas políticas de saúde -, é que passa a utilizar e disseminar de forma equivocada um termo (que deveria otimizar oportunidades), dando oportunidade à sociedade capitalista.
O termo envelhecimento ativo é popularmente visto como o “envelhecimento sem doenças”, “o idoso que pratica atividade física”, “o idoso com aparência jovial”, “o idoso ativo profissionalmente”, e isto faz parte sim de otimização de oportunidades mas não deve ser rotulado como tal.
Cada um dentro de sua individualidade e dentro do seu contexto sociocultural deve ter acesso às mesmas oportunidades e a maneira de aproveitá-las e a decisão por aproveitá-las faz parte da tomada de decisão da pessoa idosa. Garantir equidade é dever do estado, optar pelo que julga qualidade de vida é direito do cidadão.
O termo envelhecimento ativo foi sequestrado por empresas e pela mídia para otimização de oportunidades lucrativas, e não de saúde, em que o objetivo principal é apresentar um único modelo de velhice onde não necessariamente é o “ideal” (nem possível) de todos.
Seria bem interessante que a política da OMS circulasse na íntegra e chegasse ao conhecimento de todos da maneira que ela foi proposta, talvez assim pudéssemos melhorá-la, porém, enquanto ela for ignorada e interpretada de forma equivocada ficaremos discutindo pontos distintos, acreditando estarmos falando de um mesmo assunto.
Pensar que continuaremos a ter oportunidades na velhice pode ser confortante. Quem ainda não está lá, mas já parou para refletir sobre ela talvez sinta-se mais tranquilo se souber que: se quiser continuar a trabalhar, poderá. Se quiser ter acesso a um bom serviço de saúde, poderá. Se precisar de ajuda e cuidado terá oportunidade de ser cuidado. Não sabemos como a velhice se apresentará, mas se soubermos que teremos oportunidades, nos sentiremos mais seguros para enfrentar as possíveis adversidades.
O Envelhecimento Ativo – por Cícero
Em sua obra “Saber Envelhecer”, o filósofo Marco Tulio Cícero aponta quatro possíveis razões para se considerar a velhice “detestável”. A primeira delas é o afastamento da vida ativa, a segunda o enfraquecimento do corpo, a terceira privação dos prazeres e, finalmente, a proximidade da morte. Esta reflexão baseia-se na primeira.
Para Cícero, a vida ativa está ligada aos assuntos públicos, a atividade mental de sabedoria, as decisões. Na obra, ele exemplifica nomes de homens que na velhice desempenham um papel importante nos atos políticos, mesmo para aqueles que além de idade acumulada possuem incapacidades físicas, como Apio Claudio que, cego, foi duas vezes Cônsul, ditador e censor (em 312 a.C.) e ele escreve que os que dizem que a velhice impede de tomar parte dos assuntos públicos, não provam nada.
Resgatando Cícero aos dias atuais, consideramos que na velhice podemos continuar a tomar decisões, se naquela época os velhos tomavam decisões de cunho político, os velhos de hoje não terão autonomia para tomar decisão do que querem para si? Consideramos então o envelhecimento ativo de Cícero como o envelhecimento ativo não do corpo, mas da mente. A mente ativa, onde há reflexão e sabedoria, o que não é possível conquistar na juventude. Para se manter a mente ativa devemos cultivar a memória e a vivacidade de espírito.
Para Cícero, a velhice não é passiva e nem inerte. A velhice é atarefada e fervilhante, ocupada com atividades do passado, com o gosto individual de cada um ou então com o aprendizado de coisas novas.
Envelhecimento Ativo – pela filosofia e pela Política Pública de Saúde
Desenharemos agora uma junção do envelhecimento ativo por Cícero, adaptando-o à definição da OMS.
Envelhecer ativamente significa “adaptar seus esforços para seus próprios meios”, ter vigor intelectual, perceber na velhice suas vantagens, pois todas as fases da vida são dotadas de qualidades próprias. Segundo Cícero. “O exercício físico e a temperança conservam na velhice a resistência da juventude” (p.32).
Para que a velhice se apresente com esta postura ativa que Cicero propõe é necessário que o idoso tenha oportunidades de “falar”, de ser ouvido, de tomar decisões, de aconselhar, de ser respeitado. É necessário que tenha oportunidade de se adaptar, de continuar seu exercício intelectual e físico. É preciso que ele tenha acesso a informações, a boa alimentação e boas condições de moradia.
É necessário que ele exerça sua plena cidadania, participe de decisões políticas (não deixar de votar por ser idoso, por exemplo) é refletir sobre sua condição e não esperar que a decisão venha dos outros, não ser obediente por falta de conhecimento, questionar, ter acesso a serviços e aproveitar-se disto para fortalecer sua decisão e diminuir a alienação. A partir daí, decidir como quer usufruir de sua velhice.
Fuente: Portal do Envelhecimento